domingo, 16 de maio de 2010

Ingratidão

Ele não sabia como tinha ido parar ali. Na verdade é como se ele sempre estivesse lá, nunca houvera um antes.
Depois de engolir quase todo o oceano, de repente descobriu que não sabia nadar. E se não fosse o suficientemente amedrontador, viu-se cercado por grandes tubarões. Não seria tão mal assim, se não houvesse tantas feridas abertas em seu corpo que sangravam e nem todo o sal daquele denso mar conseguia cicatrizá-las.
Foi absurdamente frustrante acordar naquele situação e não se lembrar de mais nada como se a sua vida tivesse começado a trinta segundos atrás. Se não morresse sufocado com os pulmões comprimidos pelo ar ou afogado, certamente morreria devorado. Mas aí, alguma coisa mudou. Um braço estendido o puxou pela gola e o trouxe seguro para um barco.
Então, tudo mudou. Ser resgatado bem na hora era algo surreal.
O homem do barco não fez perguntas, apenas sorriu para ele e disse está a salvo agora.
O tal barqueiro tinha feições de homem feliz, algumas rugas quando sorria e franzia a testa a cada esforço em manusear ambos os remos. Um chapéu cobria-lhe a cabeça e fazia certa sombra em seus olhos. Olhos pequenos. Ele era bem robusto tinha braços fortes mas uma aparência tão gentil que incomodava o náufrago que não demorou muito e desmaiou.
Quando o náufrago voltou a si, o barqueiro olhava para ele com um semblante tranquilo. Com o olhar fitou algumas roupas dobradas e secas e fez com a cabeça como quem pedisse para que o perdido se trocasse. Ele entendeu e se trocou. Ambos ficaram parados sem trocar uma só palavra.
Os dias eram tranquilos no barquinho, o náufrago ainda não conseguia se lembrar da sua vida antes do barco. A embarcação não era grande como um iate, mas era maior que um bote. Eles não comiam todo tempo, mas nunca faltou feijão em lata, goiabada e peixe fresco. Aliás, "como o feijão nunca acabava?" Pensava o perdido.
Eles enfrentaram muitas tempestades de fato algumas vezes parecia que eles iriam naufragar, mas o barqueiro como velho lobo do mar nunca esboçou medo. Na verdade se esforçava em tranquilizar o ex-náufrago e tentar evitar que eles fossem a pique. Por mais violenta que fosse a tormenta, no final tudo voltava ao normal. Calmo, tranquilo.
Um dia depois de muito tempo, no meio de uma das belíssimas histórias cantadas que o velho contava o ex-perdido sentiu-se incomodado pelo fato que o velho sempre remava sem pedir que ele o ajudasse. Logo, ele se deu conta que na verdade o velho nunca houvera pedido nada em troca e tampouco ele havia agradecido por ter sido salvo pelo barqueiro. Sem mais delongas ele tomou um dos remos e começou a remar junto com ele, e também disse que a partir daquele dia ele pescaria todos os peixes.
Já faziam noventa dias sem chuva. A água era racionada, mas nunca acabava (assim como o feijão e a goiabada). Fazia muito calor e o jovem estava cansado de remar. Foi então que o velho pediu que ele segurasse o outro remo pois seu braço estava com caimbras. O jovem consentiu com frustração, pois sentia-se muito cansado. E num ímpeto levantou-se e disse: " Você é um tirano! Faço tudo pra você, ajudo você e tudo o que faz e me dar mais um fardo. Esse barco é horrível, é apertado, e eu estou cansado de comer peixe, feijão e goiabada. E para onde estamos indo que nunca chegamos? Você me enganou. Me faz remar em círculos, maldito!"
O barqueiro não compreendeu aquela atitude e pela primeira vez esboçou um olhar triste e uma risada sem graça. O perdido não satisfeito disse: "Eu não sei pra onde vou, mas não importa. Vou chegar mais rápido sozinho!" Se atirou na água e depois de alguns minutos afundou como uma pedra. Quando o barqueiro tentou ajudá-lo ele simplesmente cruzou os braços e afundou.
O velho então chorou.


Jonnathan Andrade
Jesus, o Barqueiro, Salva!